AUTOR: VICENTE KANGA DOS SANTOS NETO
Licenciado e Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade Katyavala Bwila / Benguela
INTRODUÇÃO
A nossa indagação circunscreve-se nas linhas mestras do Estado Democrático e de Direito que a nosso ver, deve abraçar como tarefas principais, entre outras, o garante da efectividade dos direitos fundamentais, por serem indispensáveis à coexistência da pessoa humana, proporcionando assim a existência da tutela do direito à liberdade, igualdade e dignidade.
Estes direitos estão convencionados como sendo Direitos Humanos que são os direitos e liberdades básicas de todo homem, conforme a Declaração Universal dos Direitos do Homem adoptada e proclamada pela Assembleia Geral da O.N. U através da Resolução 217-A de 10 de Dezembro de 1948. Seu conceito também está ligado à ideia de liberdade de pensamento, de expressão, e a igualdade perante a lei. Por direitos humanos são ainda modernamente entendidos aqueles direitos fundamentais que garantem a própria natureza humana e condições de existência, não resultando por isto de uma concessão das forças políticas ou outras organizações de grupo, sendo sim direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.
Ante o exposto, pode-se afirmar que os Direitos Fundamentais são direitos inerentes ao homem, de forma a resguardar a integridade físico-psíquica do mesmo em face de outros indivíduos e ainda do Estado, servindo também, de ferramenta limitadora aos poderes estatais. No que tocam as características, José Afonso da Silva considera: a Historicidade , Inalienabilidade , Imprescritibilidade e a Irrenunciabilidade , assim, se observa inicialmente a presença de um carácter geral e absoluto dos Direitos Fundamentais.
Na nossa abordagem, interessa-nos essencialmente focalizar o direito à liberdade de locomoção que também a nossa Constituição acolhe.
Dentre os vários direitos fundamentais encontramos a liberdade de locomoção ou liberdade física, que é a liberdade de circulação, ir, vir e ficar sem que para tal existam impedimentos ou restrições. O Direito à liberdade física é um direito essencial num Estado Democrático e de Direito e por isso deve ser garantido e tutelado por este. Todavia, Angola como Estado Democrático e de Direito não foge a regra nos termos do artigo 2º da CRA assegura os direitos, liberdades e garantias fundamentais conforme o disposto na alínea b) do artigo 21º e o nº 1 do artigo 22º, todos da CRA. Por conseguinte, dentre os direitos e garantias fundamentais assegurados pelo Estado, destacamos o direito à liberdade física nos nºs 1º e 2º do artigo 36º da CRA, no qual lê-se que: Todo o cidadão tem o direito à liberdade física e à segurança individual; Ninguém pode ser privado da liberdade, excepto nos casos previstos pela Constituição e pela lei (artigos 57º; 58º da CRA). O direito à liberdade física nos termos do nº 1º do art. 64º da CRA, só pode ser privado nos casos previstos por lei. Contudo, o legislador constituinte ao fazer esta referência na norma constitucional naturalmente remete para uma norma infraconstitucional (lei ordinária) os casos em que poderá se verificar a privação do direito a liberdade física, facilmente podemos equacionar que a lei infraconstitucional apta para regular os casos em que se poderá ou deverá privar a liberdade de um cidadão, prevendo, as regras e modalidades para a aplicação de qualquer medida que se cinja na privação deste direito fundamental, que é a LLMCPP que constitui o centro da nossa abordagem.
No exercício da actividade judiciária, sobretudo instrutória, ocorrem muitas vezes vícios interpretativos de leis e ou institutos jurídico-criminais por parte dos seus aplicadores que não poucas vezes tendem a aplicar medidas de coacção pessoal, que restringem a liberdade dos indivíduos, sendo esta a ´ratio´do tema Sobre a Detenção e os Pressupostos Para Aplicação das Medidas de Coacção Pessoal no Processo Penal Angolano.
É de ímpar destaque sublinhar que a detenção e outras medidas de coacção pessoal remontam desde o direito romano, que visava essencialmente garantir as práticas das tutelas concedidas pelo ius civile ou pelo pretor contra suas possíveis violações. Com isso, a importância deste tema e os primeiros estudos sobre o assunto tiveram sua origem na doutrina alemã, onde se desenvolveu a sua estruturação e sistematização . Torna-se imprescindível destacar em aditamento o contributo dos processualistas clássicos italianos, que de resto foram responsáveis pela autonomia e unidade conceitual do processo cautelar em relação ao processo de conhecimento e de execução. Por medidas cautelares entendemos o conjunto de meios de coacção pessoal e patrimonial que visam garantir os efeitos do processo penal e assegurar a presença do arguido perante o órgão que dirige assim como a final aplicação do direito penal.
Abordando de forma particular em Angola, a Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, tratou-se de uma iniciativa do Titular do Poder Executivo, por intermédio de uma Comissão Técnica de Reforma do Direito e da Justiça, essencialmente no intuito de apresentar novas medidas cautelares no processo penal angolano, no âmbito da Reforma do Processo Penal em curso de forma a reajustá-la em face da dogmática processual penal moderna que diversifica as medidas cautelares e sujeita-as aos princípios fundamentais como os da necessidade, proporcionalidade, subsidiariedade e adequação, prescrevendo um vasto leque de medidas cautelares de coacção pessoal, como também medidas relevantes de garantia patrimonial e a figura da detenção, acto processual que antecede a prisão preventiva, mas que dela se distingue claramente.
A presente monografia com o tema “Sobre a Detenção e os Pressupostos Para Aplicação das Medidas de Coacção Pessoal no Processo Penal Angolano” tem como objectivo engendrar uma análise acerca das detenções e os pressupostos de aplicabilidade. A LMCPP enumera os tipos de medidas processuais de natureza cautelar, assim nos termos do art. 1º da lei em referência estas medidas são as seguintes:
a) A detenção
b) As medidas de coacção pessoal
c) As medidas de garantias patrimoniais.
Para efeito de delimitação do âmbito do presente artigo, nos focalizaremos com maior incidência à detenção.
Em matéria processual penal é frequente a ocorrência de situações em que se faz necessária a utilização de medidas urgentes, quando, por exemplo, há o interesse de se garantir uma investigação adequada de um determinado facto ou mesmo de se garantir a execução de certa sanção penal. Entretanto, a utilização dessas medidas deve ocorrer em casos de extrema necessidade, principalmente, no caso da prisão preventiva, na medida em que a Constituição da República de Angola traz inúmeros princípios e garantias processuais que assistem arguido.
É ainda curial salientar que, o fundamento do estudo não é declarar a inconstitucionalidade das detenções e/ou das medidas de coacção pessoal, visto que o ordenamento jurídico traz o cárcere (privação de liberdade), como forma de garantir o processo penal. Mas serão estudadas as formas para melhor garantir os princípios fundamentais como: o da dignidade da pessoa humana, liberdade, proporcionalidade, razoabilidade e presunção de inocência. Dessa forma, ressalta-se que, a observância dos princípios constitucionais citados não inviabiliza a decretação de qualquer das medidas de coacção processual. No entanto, é importante sempre ter em conta que essas medidas devem ser aplicadas com extremo respeito à lei observando os requisitos limitadores previstos pela CRA, Código de Processo Penal e pela Lei 25/15 de 18 de Setembro.
Diante do exposto, o trabalho pretende afirmar que as medidas cautelares em processo penal (principalmente aquelas que restringem a liberdade de locomoção do indivíduo) são excepcionais e de utilização restrita e cuidadosa, de forma que, ao atingir a liberdade do indivíduo, em tese, inocente, poderá vir a prejudicá-lo sob o aspecto psico-social e patrimonial em caso de absolvição. A questão suscitada procura saber se o indiciado ou o acusado deve suportar inertes essas medidas, quando desnecessárias e danosas, tudo em nome de uma boa prestação jurisdicional pelo Estado, em sacrifício de uma sociedade livre.
Tendo em vista essa linha de posicionamento, busca-se defender que, se o acusado não representa mais nenhum risco para o bom desenvolvimento do processo, o magistrado deve buscar soluções para garantir o direito fundamental de liberdade do indivíduo e, é nesse momento, que surge a possibilidade de aplicação das medidas alternativas e menos graves em relação à medida de prisão preventiva.
Tendo em atenção algumas detenções efectuadas, nos últimos meses, o tema proposto tem sido alvo de discussão nos mais diversos veículos de comunicação, diante da possível precariedade existente no actual sistema processual penal. Com isso, o trabalho traz uma reflexão sobre o regime de aplicação da detenção e das outras medidas de coacção pessoal.
Por conseguinte, a interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais, em matéria da medida de coacção processual privativa da liberdade sempre deverá ter como norte a dignidade da pessoa humana. Contudo, a sua utilização antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória apresenta-se como excepção, em virtude do princípio da presunção de inocência, e, as medidas cautelares alternativas, passam a ter primazia no ordenamento jurídico angolano cominando claramente na regra da liberdade.
A escolha do tema se justifica, pois esclarece aspectos técnico-jurídicos concernente às Medidas de Coacção Pessoal em Processo Penal, considerando desde logo sua relevância e dimensão teleológica.
A Constituição da República Angolana tem trazido em seu âmago modificação significativa no que diz respeito ao resguardo das garantias fundamentais dos cidadãos em detrimento da decretação de uma detenção ou da aplicação de outra medida de coacção pessoal.
1. Conceito e Fundamentos da Detenção
O conceito legal de detenção, configurado no n.º 1 do art.4.º da LMCPP, vem dirimir o conflito de conceitos entre detenção e prisão. Começaremos pelo conceito de prisão, a título somente de esclarecimento, uma vez não ser o escopo na abordagem que nos predispusemos a fazer. Segundo o Professor Nestor Távora, a prisão é o carceramento da liberdade de locomoção, podendo advir de decisão condenatória transitada em julado, que é a chamada pena de prisão, ou, ainda, decorrer no curso da persecução penal, dando ensejo à prisão sem pena, também conhecida como rpisão cautelar, provisória ou processual, que à luz do Direito Angolano é denominada prisão preventiva, podendo decorrer sem culpa formada, no decurso da fase instrutória do processo, ou com culpa formada, após efectivação formal da acusação.
Tal como aludimos no prefácio, queremos neste pequeno postulado, abordar a detenção. Ao abrigo da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, doravante LMCPP, DETENÇAO é o acto processual de privação precária da liberdade por tempo não superior a (48) quarenta e oito horas, praticada unicamente com o objectivo de:
a) Apresentar o detido em flagrante delito para julgamento sumário;
b) Apresentar o detido perante o Magistrado do MP, para o primeiro interrogatório e subsequentemente aplicação ou substituição de medida de coação;
c) Garantir a presença do detido em acto processual, perante a autoridade judiciária, imediatamente;
d) Assegurar a notificação de sentença condenatória, a execução de pena de prisão ou de medida de segurança privativa de liberdade.
Quer o legislador dizer com o acto de privação precária de liberdade, é o tempo em que a pessoa não pode ficar privada da sua liberdade sem que seja apresentada ao Magistrado do Ministério Público para os efeitos atrás referenciados. A detenção de uma pessoa só pode ser efectuada existindo fortes indícios de que praticou uma infracção penal punível com pena de prisão, conforme disposto no n.º1 do art. 2º da lei em alusão. Estas condições devem estar assentes para a aplicação de uma medida de detenção, se eventualmente existir detenção de uma pessoa fora das condições mencionadas poderá incorrer o autor da detenção no crime de prisão ilegal, nos termos do n.º 2, e parágrafo 1º do art. 291º do CP.
1.1 Tipos de Detenção
A detenção pode ser efectuada em flagrante delito e fora deste. Todavia, as circunstâncias que envolvem a situação aparentemente “delitiva” em concreto vai de forma clara dissipar quaisquer dúvidas que se manifestem na caracterização de cada uma delas.
Antes de estabelecer a discrepância patente entre ambas, importa ab initio buscar o conceito de flagrante delito, tal como prevêem os números 1º e 2º do art. 5º da Lei das Medidas Cautelares, como sendo todo o facto punível que se está cometendo ou que se acabou de cometer. Considerando-se ainda como tal, o caso em que o infractor é logo a seguir à prática da infracção perseguido por qualquer pessoa ou encontrado a seguir à prática da infracção com objectos ou sinais que mostrem claramente que a cometeu ou que nela participou.
Desta definição legal, a doutrina distingue as modalidades de flagrante delito, nomeadamente: flagrante delito, quase flagrante delito, e presunção de flagrante delito.
No flagrante delito o crime é actual, pois, o infractor está cometendo o crime, fazendo da actualidade sua característica temporal, pese embora não seja um requisito constitutivo do próprio crime. A actualidade do crime pressupõe, deste modo, que o mesmo seja surpreendido na sua execução, sendo em razão dessa mesma actualidade que se permite legalmente a detenção do infractor .
Se o que importa para que haja flagrante delito é a actualidade do crime, não entrando no conceito de flagrante delito a presença de testemunhas durante a execução do crime não é pressuposto para a detenção, se não o elemento surpresa na execução do crime, durante a qual se procede a detenção; se, tendo presenciado o crime, as testemunhas não prenderam o infractor, não pode a detenção ter lugar ulteriormente, com fundamento em flagrante delito , salvo nos casos de quase flagrante delito.
Entendido também como flagrante delito próprio, por suceder no âmbito da execução do crime, em perfeita actualidade. O infractor é surpreendido logo após a infracção, no local em que comete, em que pratica o crime e enquanto o está praticando .
O quase flagrante delito é o flagrante delito em sentido restrito, estando este equiparado ao primeiro para efeitos legais. Sendo o quase flagrante delito o facto punível que se acabou de cometer, temos que, para distinguir um e outro, embora o Professor Cavaleiro de FERREIRA ser quase imperceptível a distinção entre ambos, no flagrante delito o infractor é surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas sempre ainda no local da infracção em momento no qual a evidência da infracção e do seu autor deriva directamente da própria surpresa .
O quase flagrante delito ocorre quando o infractor acabou de cometer a infracção sendo surpreendido logo após a infracção, no local em que foi cometida .
A presunção legal de flagrante delito verifica-se quando, nos termos do n.º 2 do art. 5º o infractor é, logo após a infracção, perseguido por qualquer pessoa, ou foi encontrado a seguir à prática da infracção com objectos ou sinais que mostrem claramente que a cometeu ou nela participou .
Na presunção legal de flagrante delito o crime não está sendo cometido, já o foi, situação que se verifica também no quase flagrante delito, de tal forma que o Prof. Cavaleiro FERREIRA aponta para o facto de o critério cronológico enunciado na presunção de flagrante delito não distingui-o com clareza suficiente do quase flagrante delito. De qualquer modo, o local onde o infractor é surpreendido parece ser fundamentalmente o elemento diferenciador, de modo que no flagrante delito em sentido estrito, a surpresa do infractor terá no momento em que findou a execução, e no local do crime. Na presunção de flagrante delito, o infractor é supreendido e de tudo fora desse local, desde que tenha sido imediatamente após a execução do crime perseguido por qualquer pessoa, ou encontrado, embora sem perseguição, também logo a seguir à infracção, com objectos ou sinais evidentes da autoria do crime .
Após termos feito a caracterização do flagrante delito tanto do ponto de vista legal quanto doutrinal, importa desde já, abordar acerca da detenção em flagrante delito, prevista no art. 6º da Lei das Medidas Cautelares. Esta se divide em duas situações, ou seja, uma que ocorre quando qualquer autoridade judiciária ou policial estiver presente ante ao cometimento de um crime punível com pena de privação de liberdade com ou sem multa, outra ocorre quando qualquer cidadão estiver na mesma situação referenciada à primeira entidade. A diferença é que a entidade judicial ou policial tem o dever de deter ao passo que o cidadão pode (facultativo). Quando a prisão for efectuada por qualquer cidadão, este deve adoptar todos os procedimentos de forma que o detido seja entregue imediatamente à autoridade mais próxima que procederá no prazo de 48 horas apresentação do mesmo ao MP. Cumprindo com o disposto nas alíenas a) e b) do n.º 1 do art. 4º. Importa referenciar que a detenção efectuada por particulares está condicionada de igual modo aos requisitos constantes do n.º 1 do art. 2º da LMCPP. O particular que efectuar a detenção sem observar os pressupostos que acompanham comete o crime de captura ilegal por particulares, previsto no art. 334º do CP e se efectuar a detenção dentro das condições legais e não apresentar imediatamente à autoridade cometerá o crime de cárcere privado noe termos do art 330º do CP. Ademais, se depois de efectuar a detenção e empregar contra o detido, violências cometerá o crime de violências de particulares contra detidos nos termos do art. 335º conjugado com os artigos 359º e 360º todos do CP. Nos casos de detenção por crime semi-público, se o titular do respectivo direito não exercer a queixa em acto seguido a detenção considera-se ilegal por falta de legitimidade do MP para prosseguir com a acção penal. Conforme intepretação a contrário senso do disposto no n.º3º e 4º do art. 6º da LMCPP.
Nos crimes particulares não poderá haver detenção em flagrante delito, mas apenas a identificação do infractor, sempre que alguém for flagrado a cometer um crime particular esta pessoa não poderá ser detida ex-vide nº 5 do artigo supracitado. Aos que infringirem as regras estabelecidas por lei para efectuar a detenção responderão em processos crime ou de averiguação independentemente de queixa do ofendido (pessoa detida irregularmente), vide nº3º do art. 4º da LMCPP.
Há que esclarecer para o facto de, nos casos em que se tratando de facto punível relativamente ao qual se verifica flagrante delito e a que não corresponda pena de prisão, não seja conhecido o nome e residência do infractor, a detenção só pode ter lugar quando não haja possibilidade da sua imediata determinação, pois que sendo possível determinar o nome e residência do infractor, não deverá haver lugar a detenção.
Do aludido atrás depreende-se que a detenção, mesmo em flagrante delito, e por maioria de razão fora de flagrante delito, não é admissível quando ao crime não corresponda pena de prisão , isto é, pena privativa de liberdade, indo até a doutrina, em geral, no sentido de defender a não aceitação da prisão preventiva, esta que a detenção tem-na também por finalidade, quando a pena aplicável não consista em pena privativa de liberdade (FERREIRA, 1954-1955:401).
Permitida a detenção em flagrante delito, desde que à sua infracção corresponda pena de prisão, para a sua efectivação a lei processual penal permite a entrada tanto na casa ou lugar onde o facto se está cometendo, seja ou não de acesso livre, visto resultar da lei ser irrelevante que não seja acessível ao público, e ainda permite-se a entrada no lugar em que o infractor se acolheu para efeitos de materializar a detenção como tal, sem cumprimento de qualquer formalidade, (nº 1º do art. 7º da LMCPP), só sendo exigida quando houver alguma oposição pelo dono da casa, autoridade judicial ou entidade policial que pretende efectuar a detenção deverá aguardar no exterior a chegada ou a saída do infractor, com vista a efectuar a sua detenção. Ao passo que se efectuada por particular, neste caso deve este chamar a entidade judicial ou policial para que se proceda conforme de lei (nº2 do art. 7º da LMCPP). Contudo, a entrada em casa alheia seja ou não habitada ou em suas dependências fechadas pode ser permitida para efectuar a detenção, desde que a autoridade judicial ou policial que pretende fazê-lo tenha autorização expressa dos mardores ou dos seus donos ou na ausência desta autorização, munidos do mandado de captura que expressamente especificar que é permitida a entrada em qualquer casa ou suas dependências, onde o infractor se encontrar (nº 3º do art. 7º da LMCPP).
As regras que acabamos de elencar são extensivas nos casos em que a detenção ocorrer no período nocturno, mas se a entidade captora não obter o consentimento dos moradores, este, deverá aguardar fora até que o infractor saia. Com isso, deverá ainda adoptar todas as precauções necessárias para evitar a fuga do mesmo, conforme o disposto nos nºs 4º e 5º do art. 7º da LMCPP. Ademais, a entrada durante a noite não pode ser negada em locais ou lugares sujeitos a fiscalização especial da polícia (Ex: discotecas, boites e outros equiparados), se a enrada for negada pelos responsáveis destes lugares os mesmos responderão pelos crimes de resistência ou desobediência, previsto nos artigos 186º e 188º do CP respectivamente, dependendo sempre das circunstâncias. Para efeitos das regras tecidas, considera-se noite o período compreendido das 19 horas até as 06 horas do dia seguinte (ex vi: nº 7º do art. 7º da LMCPP).
Detenção fora de flagrante delito para ser efectivada, nos termos do art 8º da LMCPP, esta só é permitida quando houver razões suficientes para crer que a pessoa a deter não se apresentaria voluntária e espontaneamente perante à autoridade judiciária no prazo que lhe foi fixado. Diferentemente da detenção em flagrante delito que para ser efectivada pode ser por qualquer pessoa, aqui fora do flagrante delito é efectuado somente por entidades judiciárias ou policiais, mediante mandado do Ministério Público na fase de instrução preparatória (sem culpa formada) e pelo juiz da causa nas restantes fases (com culpa formada), respeitando claro, os requisitos dos mandados de detenção, previstos no art. 9º da LMCPP.
Tal como acautelado pela C.R.A relativamente a privação da liberdade apenas nos casos e condições determinados por lei (nº1 do art. 64º), sendo que a polícia ou outra entidade apenas podem deter ou privar precariamente a liberdade de alguém nos casos previstos na Constituição e na lei, em flagrante delito ou quando munidas de mandado de autoridade competente (nº 2 do art. 64º CRA).
Assim, a detenção fora do flagrante delito e sem culpa formada só poder ter lugar, em conformidade com o art. 8º da LMCPP, por mandado da autoridade enumerada no nº 2º deste mesmo artigo. Exceptuam-se os casos previstos no nº 3º do citado artigo em que a autoridade policial poderá também ordenar a detenção fora de flagrante delito quando nos casos de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção do MP. Todavia, estas circunstâncias devem ser acompanhadas dos requisitos cumulativos previstos nas alíneas a) e b) do nº 3º do artigo em referência. Quando a detenção, é efectuada fora do flagrante delito pelas autoridades policiais criminais o detido deve ser apresentado no prazo de 48 ao MP com as provas que fundamentam a decisão da autoridade policial em deter fora de flagrante, se estas provas não existirem ou não forem convincentes o detido será imediatamente restituído à liberdade (nº 4º do art. 8º da LMCPP). É indubitável que a detenção fora do flagrante delito deve ser feita por meio de mandado de captura que reúna os requisitos constantes no artigo 9º da LMCPP e executado com as formalidades previstas no art. 10º da mesma lei. Nos termos deste artigo destaca-se o facto de a entidade incumbida de executar o mandado terem a obrigação de informar o infractor dos direitos que lhe assistem e da forma como os pode exercer (vide artigo 63º da CRA). É também obrigação da entidade que efectuar a detenção, elaborar a certidão sobre as circunstâncias em que efectuou a detenção e entregar uma cópia do mandado ao detido.
O detido por questões de segurança e segredo de justiça no sentido de acautelar o primeiro interrogatório o mesmo deve se manter incomunicável salvo nos casos em que pretende comunicar com o seu advogado ou defensor, ou nos casos que pretende comunicar com os seus familiares a pretensão de constituir mandatário, nos termos da conjugação dos nº 1º e 2º do artigo 11º com o art. 14º da LMCPP. O arguido detido que não deva ser julgado em processo sumário é interrogado pelo MP para efeitos de aplicação de medidas de coacção processual. O interrogatório deverá ser feito no prazo de 48 horas após a detenção, sob pena de irregularidade processual, conforme se estatuiu o nº 1º do art. 12º, assistirão ao mesmo o advogado constituído e na falta deste o defensor nomeado (ex vi nº 2º e 3º do artigo supracitado). Havendo fundado receio que o arguido não possa ser apresentado perante o magistrado competente para o primeiro interrogatório, compete ao magistrado da área em que foi efectuada a detenção nos casos em que houver (nº 4º do art. 12º da LMCPP). O prazo peremptório de 48 horas se terminarem no domingo ou no feriado o interrogatório deve ser feito no primeiro dia útil, por força do disposto no nº 5º do art. 12º da LMCPP. O interrogatório do arguido detido deve ser feito em auto próprio (auto de interrogatório de arguido detido) nos termos do 254º do CPP. O arguido poderá consignar no auto as suas respostas relativamente à matéria de culpa mas se não fizer, são ditadas pelo MP que deverá fazê-lo de forma literal, mantendo as expressões utilizadas pelo arguido nas suas respostas de modo que ele possa compreender o auto de interrogatório depois de ler para assinar (nºs 2º e 3º do art. 13º da LMCPP). Entretanto, durante o interrogatório o defensor do arguido não póde interferir quando o MP estiver a fazer as perguntas, mas pode levantar protestos, arguir nulidades, fazer pedidos de esclarecimentos relativamente às respostas e no fim requerer ao MP que formule ao arguido detido as perguntas que achar relevantes para o esclarecimento da verdade e defesa do mesmo. Findo o interrogatório, é lavrado o correspondente auto, onde o MP deve se pronunciar sobre a situação carcerária do arguido, nomeadamente: 1. Validar a detenção e ordenar prisão preventiva ou aplicar outra medida de coacção, se considerar verificados os pressupostos de facto e de direito; 2. Restituir o detido à liberdade se não considerar verificados os pressupostos, alíenas a) e b) do nº 1º do artigo 15º da LMCPP. A decisão que o MP tomar deve ser fundamentado sob pena de irregularidade processual do seu despacho. É nesta altura que o MP vai aplicar uma das medidas de coacção pessoal ou restituir o detido à liberdade se considerar que não foram respeitados os pressupostos para efectuar a detenção, tal como a mesma avaliação deve ser feita no caso de entender o MP aplicar uma das medidas de coação elencadas na Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, que não a prisão preventiva.
2. Medidas de Coacção Pessoal
A prossecução do processo penal sem entraves, em especial aqueles colocados pelo arguido, bem como a garantia de execução da decisão final, enquanto finalidades que se pretendem alcançar no processo penal podem exigir a tomada de medidas, gravosas para a esfera jurídica do arguido e eventualmente para terceiros (quando atinjam coisas), para acautelar que tais finalidades, de ordem processual venham efectivamente a ser atingidas. Tais medidas constituem as medidas cautelares, as quais têm finalidade processual porque são ditadas por fins de ordem processual.
As medidas de coacção pessoal gozam do princípio da legalidade ou se quisermos do numerus clausus em que, só a lei pode definir os termos do seu impulso e sua aplicabilidade.
Entende-se por medidas de coacção pessoal aquelas aplicadas pelas autoridades judiciárias (Tribunal e Ministério Público) no sentido de garantir a prossecução penal de forma eficaz, mantendo o arguido em situação de controlo para que o mesmo não possa perturbar ou prejudicar a formação do corpo delito, a finalidade do processo e permitir um controle sobre a liberdade de locomoção do arguido de forma a evitar que o mesmo cometa um crime da mesma natureza que está sendo indiciado ou outro qualquer crime, demonstrando que este não poderá perturbar a ordem e tranquilidade públicas.
Sendo medidas processuais que, condicionando a liberdade do arguido, visam garantir a contactabilidade do mesmo, a não repetição da actividade criminosa e a produção de certos efeitos processuais (p. ex., eficácia de comunicações, mesmo não pessoais), as medidas de coação só podem ser impostas aos arguidos.
A aplicação de qualquer medida de coação pessoal deve ser necessária, proporcional e adequada à situação processual concreta.
As medidas de coação pessoal previstas na lei (art. 16º da LMCPP) são:
1.a) Termo de Identidade e Residência;
2.b) Obrigação de Apresentação Periódica às Autoridades;
3.c) Caução (carcerária);
4.d) Proibição e a Obrigação de Permanência em Local Concreto e a Proibição de Contactos;
5.e) Interdição de saída do país;
6.f) Prisão domiciliária;
7.g) Prisão Preventiva;
Estas medidas acima elencadas são exclusivamente aquelas que podem ser aplicadas ao arguido no âmbito da prossecução penal do Estado, conforme previsto no art. 17º da LMCPP. Estas medidas são aplicadas tendo em conta o princípio da legalidade, daí a sua exclusividade bem como os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade. Com isso, apraz-nos sublinhar, que a entidade competente que aplicar uma dessas medidas deve aferir a sua necessidade e adequação às exigências do caso concreto e proporcionalidade em relação a gravidade da infracção.
As medidas de coacção mais gravosas para o arguido só devem ser aplicadas nos casos em que as menos gravosas não se apresentarem adequadas e suficientes para fazer face às circunstâncias que impõe a aplicação de uma medida de coacção pessoal, conforme orientação prevista no art. 18º da LMCPP.
2.1 Pressupostos Para Aplicação das Medidas de Coação Pessoal
A questão que se coloca é saber como aferir efectivamente os pressupostos que levarão a entidade competente a aplicar uma medida de coação pessoal. Tendo em conta o rigor normativo que envolve a natureza das medidas de coacção pessoal, bem como o facto delas muitas das vezes restringirem direitos e garantias fundamentais do cidadão, os pressupostos que levam a aplicação das mesmas estão vinculados ao princípio da legalidade e consequentemente é a lei que define as circunstâncias que podem estar subjacentes a aplicação de uma medida cautelar, tal conforme epígrafe do art. 19º da LMCPP, que define que nenhuma medida de coacção à excepção do TIR pode ser aplicada se no momento da sua aplicação, não se verificar alguma das seguintes circunstâncias:
1. Fuga ou perigo de fuga;
Fuga significa acto ou efeito de fugir, saída, escapatória, afastar-se para parte incerta. No caso especial do comprovado receio de fuga, o mesmo pode ser aferido com base em movimentações do arguido ou qualquer outra conduta que demonstre pretender ausentar-se e colocar-se fora do alcance imediato das autoridades policiais e judiciárias, sendo que não havendo presunção legal de fuga, esta deve ser comprovada e, por conseguinte, há que, ter bem presente que deve ser concreto, o que significa que não basta à mera probabilidade de fuga deduzida de abstractas e genéricas presunções pela gravidade do crime, mas que se deve fundamentar sobre os elementos de facto, devendo-se com isso à existência de indícios bastante do comprovado receio de fuga .
2. Perigo de perturbação da instrução do processo, nomeadamente à produção conservação e integridade da prova.
Relativamente à existência de comprovado perigo de perturbação da instrução do processo mantendo-se o arguido em liberdade, igualmente porque a lei exige que seja comprovado, valem os comentários anteriormente avançados, portanto, é sempre necessário que aos demais pressupostos das medidas de coacção, que em concreto se demonstre esse perigo pela ocorrência de factos que indiciem a actuação do arguido com esse objectivo e que não seja possível com outros meios obstar a essa perturbação .
3. Perigo da continuação da actividade criminosa ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, em função da natureza, das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido.
Concernente à existência de receio fundado de perturbação da ordem pública ou a continuação da actividade criminosa, motivado pela natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do delinquente, a própria postura ou actividade do arguido é que devem fornecer elementos para comprová-lo, através de comportamentos que, sejam ou não criminosos, abram a perspectiva de perturbação da ordem pública ou da continuação da actividade criminosa.
Estes pressupostos são extremamente fundamentais, na medida em que sem eles não poderá existir a necessidade de aplicação de uma medida de coacção pessoal, este argumento reforça o que anteriormente referenciamos, quando abordamos o princípio da necessidade nas medidas de coacção pessoal. Ademais, também deve-se aferir se o crime foi praticado em circunstâncias fundadas para fazer crer a existência de causas de extinção da responsabilidade criminal, conforme enumeradas nos arts.41º e 125ºdo CP.
Tal como prevê o artigo 15º da LMCPP, o artigo 20º da mesma lei vem complementar na relativa ao despacho do MP findo o interrogatório. O despacho é notificado ao arguido em caso de aplicação de medida cautelar com excepção à medida de prisão preventiva. Com advertência das consequências em caso de incumprimento das obrigações que lhe são impostas, enquanto tratando-se de prisão preventiva, além do arguido é notificado também do despacho o seu defensor. Todavia, o despacho do MP deve conter os requisitos que estão elencados no artigo 21º da LMCPP. O arguido pode no prazo de oito (8) dias recorrer da decisão das autoridades judiciárias sobre a aplicação da (s) medida(s) de coacção que lhe forem apli
CONCLUSÕES
Em suma pode-se afirmar que o sistema da detenção e das outras medidas de coacção pessoal no processo penal angolano, tem como objectivo a aplicação de medida de restrição e salvaguarda das várias formas de liberdade; de preservação da prova do processo; de preservação dos direitos e interesses do ofendido, sendo todas com a finalidade de assegurar a efectividade do processo principal.
A Constituição da República de Angola erigiu a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 2º, da Constituição Angolana de 2010). Como consequência disso, tem-se que, pelo princípio da legalidade, previstos nos arts. 57º e 64º, da Constituição Angolana, a inviolabilidade da liberdade individual só poderá ceder em carácter excepcional, diante de hipóteses expressas e previamente consagradas em lei. A privação da liberdade fora dessas hipóteses será não só ilegal, mas, inconstitucional. Sendo assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar, visto que, o fundamento das mesma é a necessidade, não a culpa. Além disso, verifica-se que toda e qualquer medida cautelar (salvo o TIR) exige a conjugação do fumus deliciti comissi e do periculum libertatis. O primeiro, consubstanciado na prova da existência do crime e de indícios de autoria, repousa na imputação provável, isso é na alta probabilidade e não na simples possibilidade de condenação. E o segundo, exige ser demonstrada, à sociedade, a necessidade da adopção da medida, para garantia da ordem pública ou económica, por conveniência da instrução ou para assegurar a aplicação da lei penal.
As detenções e a aplicação das medidas de coacção pessoal, revelam-se imprescindíveis para a prossecução da tramitação procedimental penal. Nesta senda pensamos ser necessário que no âmbito da sua aplicação se observem de forma escrupulosa os princípios constitucionais e infraconstitucionais que de per si se destacam em enorme relevo, principalmente na salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais que qualquer Estado Moderno como o nosso se propõe a prosseguir. Nesse mesmo leque de medidas, importa aflorar a mais penosa que é a prisão preventiva, actualmente encarada de última ratio e excepcional só sendo admitida e perdura si et in quantum necessária. Do mesmo modo, não existindo ou desaparecendo a sua necessidade, o magistrado não poderá negar ao preso o benefício da liberdade, conforme o caso, aplicar medida alternativa ou substitutiva menos gravosa que aquelas privativas da liberdade prevista na Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal.
Portanto, a grande questão do tema é a necessidade de se estabelecer o necessário equilíbrio entre o direito individual do cidadão e o direito social à segurança, tornando-se indispensável um sistema de garantias e limitações. Em Angola, de cunho democrático constitucional, não raras vezes defronta-se com esse dilema, quando para coibir condutas calcadas nas liberdades democráticas, tende-se a destruir a própria democracia.
Logo, há que se combater as condutas criminosas, sem, entretanto, desprezar os princípios de liberdade e igualdade que também se defende, resguardando, assim, as garantias e direitos fundamentais, pilares do Estado Democrático de Direito, assim estaremos fazendo jus aos pormenores previstos pela Lei magna e também em leis ordinárias do processo penal em Angola.
SUGESTÕES
Assim, de seguida, se fazem algumas sugestões concretas para melhorar o funcionamento, na prática, sobre as detenções e a aplicação das Medidas de Coacção Pessoal no Processo Penal Angolano.
• Tendo em conta a realidade angolana, em que compete ao Ministério Público a aplicação das medidas de coacção processual (Lei nº 4/79, de 27 de Abril e da Lei nº 4 –D/80, de 25 de Junho) e não obstante a fiscalização que pode o Magistrado Judicial fazer quanto a legalidade de tais actos, pensamos não ser rigorosamente coerente, ao contrário de muitas outras realidades em que salvo o TIR compete ao juiz de instrução decidir sobre as medidas cautelares em processo penal, pelo que urgente se torna a reposição da figura de juiz de instrução com vista a maior salvaguarda das garantias fundamentais dos cidadãos e a manutenção de um processo do tipo mais acusatório e decerto que tal desiderato está próximo com a perspectiva da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal;
• É premente que haja convergência nos actos praticados pelo Ministério Público, principalmente na fase de instrução preparatória no momento da aplicação de uma medida de coacção pessoal relativamente ao princípio da presunção de inocência , porquanto, a praxe nos evidencia uma tendência inversa a esse princípio, parecendo ser mais um princípio de presunção de culpa, onde os indiciados são às vezes obrigados ao ónus da prova da sua inocência e aplicam-se medidas de coacção aos arguidos, mesmo aquelas privativas da liberdade, sem que para tal estejam indubitavelmente preenchidos os requisitos que a lei prevê .
• Outra providência bastante relevante que poderá também servir de cunho recursal em virtude da medida de prisão preventiva ou detenção ilegal é o Habeas Corpus, que a nosso entender urge a necessidade de uma legislação especial, com os procedimentos ao nível dos outros ordenamentos jurídicos, porquanto, os previstos no actual Código de Processo Penal Angolano em nada abonam a garantia dos arguidos principalmente para combater uma prisão ou detenção ilegal.
• A incomunicabilidade dos arguidos aquando de uma detenção também nos deixa perplexos quanto a sua constitucionalidade, pois que, versa a alínea c) do art. 63º que toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada, no momento da detenção, das respectivas razões e dos seus direitos, dentre os quais de informar à família e ao advogado sobre a sua condição (detenção) e sobre o local para onde será conduzida. Vemos que essa prática quase que não se verifica desde o momento que vigorava a Lei da Prisão Preventiva em Instrução Preparatória, 18A/92 de 17 de Julho, em que os detidos não poderiam comunicar-se com pessoa alguma antes do primeiro interrogatório e podia-se manter nesta condição de incomunicabilidade até cinco dias se assim o ordenasse o MP (art. 3º nº1 da LPPIP); com a entrada em vigor da LMCPP, parece que se refez o corpo do artigo e a nosso entender melhorou aqui a garantia dos detidos, permitindo que antes do primeiro interrogatório o arguido possa se comunicar com o seu advogado ou familiar a comunicar a pretensão da constituição de mandatário ( art. 11º nº1 da LMCPP). O que pensamos ser uma violação ao espírito dessa norma é a prática principalmente dos órgãos de polícia que em primeira instância proíbem ao arguido de se comunicar com quem quer que seja, retirando-lhe todos os meios que podem permitir contacto, no caso particular o telemóvel.
• Uma vez que pelo art.º 75º nº 1, da CRA, “o Estado e outras pessoas colectivas públicas são solidária e civilmente responsáveis por acções e omissões praticadas pelos seus órgãos, respectivos titulares, agentes e funcionários no exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, ou por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou para terceiros”, deveriam as vítimas de tais ilegalidades serem compensadas com uma justa indemnização pecuniária;
• A aplicação de medidas de coacção pessoal privativas da liberdade, mormente, a prisão preventiva, tratando-se de uma medida que deva ser utilizada sempre em última instância, isto é, quando não seja possível a aplicação das medidas de coacção processual menos gravosa, os seus fundamentos devem ser legais, factuais e estarem bem assentes nas garantias constitucionais, o mais sensato, em nosso entender, é necessário que se faça uma análise escrupulosa por parte do órgão competente para aplicar essa medida, assim como os seus fundamentos serem concretos à situação fáctica e ao comportamento do indiciado.
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